Os retiros oferecidos pelo movimento de homens cristãos chamados Legendários têm atraído muitos participantes em busca de uma transformação pessoal radical. Entre eles, destacam-se até mesmo algumas personalidades conhecidas publicamente. Enquanto esses encontros prometem a reconstrução da masculinidade e o engajamento profundo, eles não deixam de suscitar debates acalorados e confronto de ideias nas redes sociais. Mas o que realmente está por trás dessas metodologias controversas e desafiadoras que geram tanta discussão?
Recentemente, uma série de reportagens denominada 'Diário de um Legendário' lançou luz sobre o que de fato ocorre nestes encontros. Em resposta a essa narrativa, o g1 convidou especialistas da área psicanalítica para uma análise aprofundada dos métodos adotados. Christian Dunker, professor da USP e escritor, Maria Homem, psicanalista e pesquisadora da USP, e Pedro Onari, especialista em psicanálise cristã, compartilham suas percepções sobre essas práticas intensas e, por vezes, angustiantes.
A Estrutura Patriarcal e as Raízes Históricas
Maria Homem destaca que os métodos utilizados nos retiros podem ser vistos como uma tentativa de reviver valores patriarcais que hoje se encontram em declínio. Ela explica que essa estrutura hierárquica, que durante milênios orientou a sociedade com um líder forte no topo da pirâmide, reflete uma imagem idealizada do divino e paternal que reassurge em tempos de crise. Segundo a psicanalista, essa busca pelo 'pai forte' torna-se evidente quando confrontamos nossa própria vulnerabilidade intrínseca.
Os significados inseridos na retórica dos retiros geralmente remontam a conceitos de pai, irmão, família, general e Cristo, reforçando antigas estruturas simbólicas. Ela aponta que o pacto institucional humano formado por família, igreja e exército efetivamente moldou a civilização ao longo dos séculos, relegando o feminino a um papel secundário e oposto.
Reconstrução Simbólica da Família
Para Pedro Onari, o retiro é uma tentativa de restaurar a imagem tradicional da família, especialmente em relação ao papel de liderança do pai. Ele observa que atualmente muitas famílias não seguem mais os modelos tradicionais, com pais ausentes ou lares disfuncionais. O propósito do movimento Legendários seria então suprir a lacuna deixada por essa ausência de figuras de autoridade.
No contexto cultural e bíblico, Christian Dunker salienta como o protestantismo brasileiro introduz novamente mitologias do Antigo Testamento, revivendo a ideia de ascender fisicamente a um monte como uma experiência espiritual próxima ao divino. Dessa forma, a prática de subir a montanha, amplamente utilizada no neopentecostalismo, se transforma em um poderoso discurso religioso.
As Dimensões Psicológicas e as Técnicas de Hipnose
No que diz respeito aos aspectos psicológicos, Onari observa que os Legendários utilizam técnicas intensas de alteração de consciência, equivalentes a métodos de hipnose e regressão emocional. Ele explica como estas práticas exploram memórias profundas da infância e a figura paterna, criando um estado mental alterado ideal para sugestões hipnóticas por meio de privação de sono, estresse físico e comandos repetitivos.
Isso engendra um esquema onde o participante, sujeitado a repetidas provas de obediência, é levado a refletir sobre a autoridade absoluta da figura paterna dentro do retiro. Onari também enfatiza que, ao final dos exercícios extenuantes, emerge uma compreensão crucial de que a verdadeira liderança não é autoritária mas sim reconhecedora do ouvir e acolher, resgatando o exemplo de Jesus como um líder compassivo.
Paralelos Com Experimentos Psicológicos Famosos
Christian Dunker associa as experiências dos Legendários ao famoso Experimento de Milgram, um teste controverso destinado a explorar os limites da obediência humana. Ele argumenta que, assim como no experimento de Milgram, os participantes dos retiros são conduzidos lentamente a aceitar condições cada vez mais difíceis, sem perceber que estão ultrapassando limites pessoais significativos.
Dunker destaca que há um aspecto pedagógico eficaz nessa abordagem, que ao final ensina a importância de se questionar as ordens em vez de seguir cegamente. Após uma série de atividades, os participantes são desafiados a lutar fisicamente na lama, recebendo então a orientação de que há lutas mais significativas a serem travadas na vida real.
Questões Futuras e Um Chamamento à Reflexão
Maria Homem propõe que, em vez de retornar às ideias ultrapassadas do patriarcado, deveríamos nos centrar em novas questões culturais. No eixo dessas discussões, deveríamos buscar a convivência respeitosa e sustentável, em um espaço onde todas as diferenças são valorizadas.
Onari conclui que os retiros dos Legendários podem abrir feridas emocionais sem fornecer os tratamentos adequados para lidá-las, destacando situações reais em que participantes buscaram respostas no retiro e saíram sem soluções concretas para seus problemas familiares. Ele enfatiza a necessidade de intervenções terapêuticas personalizadas para que indivíduos realmente enfrentem seus desafios emocionais e relacionamentos conturbados.
O Futuro da Masculinidade e o Autoconhecimento
A questão permanece: como podemos redefinir a masculinidade e encontrar pertencimento e liderança em nossas próprias histórias, seja dentro dos movimentos como os Legendários ou além deles? Compartilhe a sua perspectiva nos comentários abaixo e confira outros artigos sobre transformação pessoal em nosso site!



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